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foto Camila Sérgio |
por José
Manoel Sobrinho
Acostumei-me,
durante minha infância no Sítio Serra dos Bois, em Bezerros, Agreste de
Pernambuco a assistir madrugada adentro as Cantorias de Pé de Parede. Nestas cantorias o que mais me impressionava era a quantidade de motes que o povo
escrevia, colocava nas cuias ou chapéus juntamente com cédulas curtas ou moedas
e que, de imediato, eram improvisados pelos cantadores. Uma maestria, coisa de
gênio, habilidade que me deixava impactado. Nunca consegui improvisar assim,
fazia motes ingênuos e românticos, pouco provocativos, pouco criativos. Desisti
rápido. Mas aquilo ficou na minha memória para sempre. Mais, ainda, a vontade
de improvisar. Talvez por isso anos depois eu tenha me transformado em
professor da disciplina Improvisação para
o Teatro, nos Cursos de Teatro do Sesc - Serviço Social do Comércio, e no
Curso Básico à Formação do Ator, da Fundação Joaquim Nabuco - Fundaj, em
Pernambuco e seja um atento leitor da pesquisadora Viola Spolin.
Com o SISTEMA
25, resguardando-se as diferenças culturais e temáticas, tudo foi muito
parecido, os motes eram retirados da obra de Plínio Marcos, dramaturgo de São
Paulo e, a partir desses motes, na sala de ensaio as cenas foram sendo
escritas:
“Eram vinte e cinco homens
empilhados, espremidos, esmagados de corpo e alma, num cubículo imundo onde mal
caberiam oito pessoas.”
“Eram vinte e cinco homens
colocados no imundo cubículo para morrer. Para morrer aos poucos. Para morrer
de forma que parecesse natural.”
“Para morrer sem estremecer as
relações internacionais dos cidadãos contribuintes.”
Com este tema
na cabeça e as ideias promovidas pelos motes, iniciamos o processo de trabalho.
Vale aqui lembrar que durante anos eu estive como artista e gestor cultural
envolvido na realização dos Projetos Alvará de Expressão e Coringa, uma ação
colegiada do Governo de Pernambuco (gestão Miguel Arraes de Alencar) juntamente
com a Federação do Teatro de Pernambuco - Feteape, e aportes dos Ministérios da
Justiça e Cultura, e que a questão do Sistema Penitenciário sempre esteve
presente nas abordagens de meu trabalho. No começo deste processo o desejo era
de retomar o tema em consequência das graves crises, porque passa o modelo de
gestão do sistema prisional brasileiro e suas casas de fazer criminosos. Não se
faz educação por metro quadrado, muito menos com pessoas entulhadas em restos
de espaços destinados mais à morte do que à vida.
Quem agora
assistir ao espetáculo vai perceber que houve um desvio de intenção, porque não
é deste tema que trata o SISTEMA 25 e sim da condição de vida extrema e de como
qualquer pessoa, independente de estar encarcerado no sistema prisional,
desequilibra-se diante de uma vida sem perspectiva. A desordem e o caos
constituem outros SISTEMAS para além das cadeias e presídios.
Mas, voltando
ao processo...
Nos últimos tempos
me reaproximei dos Motes de minhas memórias afetivas quando da realização das
Jornadas Literárias Portal do Sertão e Chapada do Araripe, projetos do Sesc
Pernambuco que eu criei e coordeno, especialmente quando Cida Pedrosa e Sennor
Ramos, curadores das Jornadas, começaram a inserir na programação as Mesas de
Glosa, espaços de expertise, desafios que são genialmente vencidos por
glosadores exímios, homens e mulheres dotados de excepcional capacidade
criativa. Em outra dimensão, ouvir Zé Brown e Júnior Baladeira, mestres do Rap,
com suas habilidades de improviso também me serviram de referência e inspiração
para conduzir os ensaios que geraram o nosso espetáculo. Mas, atenção,
esteticamente não há nenhuma aproximação entre estas tendências da arte, elas
serviram de estímulo para a minha condução do processo, na minha solidão
criativa.
Conheço a obra
de Plínio Marcos, “o poeta do submundo, o dramaturgo maldito ou simplesmente, o
repórter de um tempo mau...”, dirigi nos anos 90 o seu Jesus Homem, assisti a muitas montagens de seus textos para o
teatro, também conheço o seu livro Inútil
Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos, ficando particularmente
aficionado pelo conto Em Osasco,
sobre homens presos em uma cela de pequenas proporções, seus dissabores e desesperos
e sobre seu estado limite de convivência e de desumanidade. Este foi o nosso
ponto de partida, a “Cena da Origem”. Do conto Em Osasco identificamos os nossos Motes para a série de improvisos
de onde emergiriam as cenas, suas personagens e posteriormente os discursos, os
textos dramáticos.
Por
aproximadamente 12 meses mergulhamos nas dores e odores destes homens,
testosteronas agitadas, pulsações firmes, oscilações da alma, inteligências provocadas
de onde muita arte surgiu. No espetáculo, agora em pé, pouco mais de 30% de
tudo o que foi criado nos laboratórios de experimentação é que está em cena. Os
outros 70% ficaram na memória de seus criadores, nos registros e rabiscos
guardados em algum caderno de anotação ou se perderam na vastidão das subjetividades.
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foto Camila Sérgio |
Estrutura do
Espetáculo
Cenas por ordem de acontecimento no palco
Cena 1 – Prólogo – Cela. Música, Hino
de Pernambuco (1908), letra de Oscar Brandão da Rocha e música de Nicolino
Milano. Dramaturgia de José Manoel Sobrinho.
Cena 2 – Anunciação, dramaturgia de
Will Cruz.
Cena 3 – O Guarda-Chuva, sobre mote de
Plínio Marcos, dramaturgia de Samuel Bennaton. Música Alma, letra e melodia de André Filho.
Cena 4 – Cena Intermitente,
dramaturgia de Samuel Bennaton.
Cena 5 – As Pragas da Pele e da Mente,
sobre mote de Plínio Marcos, dramaturgia coletiva.
Cena 6 – O Carrasco, dramaturgia de
Geraldo Cosmo e Beto Nery.
Cena 7 – Confissão, sobre mote de
Plínio Marcos, dramaturgia de José Manoel Sobrinho.
Cena 8 – Mercado Aberto, 1ª parte,
dramaturgia de presos brasileiros, anônimos.
Cena 9 - Ensaio Sobre o Amor,
dramaturgia de Emanuel David D’Lúcard.
Cena 10 – O Homem Deus, dramaturgia de
Marcílio Moraes.
Cena 11 – O Bloco, dramaturgia
coletiva.
Cena 12 - Mercado Aberto, 2ª parte,
dramaturgia de presos brasileiros, anônimos.
Cena 13 – Um Nuevo Tango, dramaturgia
de Bruno Britto, Robson Queiróz e Emanuel David D’Lúcard.
Música Tenho que te amar, de Geraldo Maia, com letra de Emanuel David D’Lúcard.
Cena 14 – Cartas: Inútil Espera,
dramaturgia de Breno Fittipaldi e José Manoel Sobrinho. Música Amor Partido,
de Eduardo Espinhara, Thyago Ribeiro e Romildo Luis.
Cena 15 – Alvará de Soltura,
dramaturgia de Cláudio Siqueira e José Manoel Sobrinho.
Cena 16 – Reduto, dramaturgia de
Marcílio Moraes.
Cena 18 – Patriota, (cena ainda
inacabada) sobre tema proposto por Billé Ares.
Cena 18 - Códigos, dramaturgia de
Emanuel David D’Lúcard.
Cena 19 – Ensaio Sobre a Força,
dramaturgia de Emanuel David D’Lúcard. Música O Tempo, de Eduardo Espinhara,
Thyago Ribeiro e Romildo Luis.
Cena 20 – Dama de Copas, dramaturgia
de Edinaldo Ribeiro.
Cena 21 – O Amante de Carminha,
dramaturgia de Eddie Monteiro e Will Cruz.
Cena 22 – Tatuagem, dramaturgia de
Will Cruz e Edinaldo Ribeiro.
Cena 23 – Segredos da Bíblia,
dramaturgia de Neemias Dinarte e José Manoel Sobrinho.
Cena 24 – O Sapato, dramaturgia de
Eddie Monteiro, Will Cruz e José Manoel Sobrinho.
Cena 25 – Ensaio Sobre a Dor,
dramaturgia de Emanuel David D’Lúcard.
Cena 26 – La Libertad, dramaturgia de
Marcílio Moraes, sobre mote de Plínio Marcos. Música O Fogo, letra e melodia
de André Filho.
Cena 27 – O Fogo, dramaturgia
coletiva.
Cena 28 – Anjo Incestuoso, dramaturgia
de Marcílio Moraes, sobre mote de Plínio Marcos, música Anjo Vindouro,
de Geraldo Maia, letra de Marcílio Moraes.
Cena 29 – Zat – Zona Autônoma
Temporária, 1ª parte, dramaturgia de Samuel Bennaton.
Cena 30 – Epílogo - Zat – Zona
Autônoma Temporária, 2ª parte, dramaturgia de Samuel Bennaton. Música, Hino de
Pernambuco (1908), letra de Oscar Brandão da Rocha e música de Nicolino
Milano.
A articulação dessas dramaturgias foi realizada
por todo o elenco, com participações relevantes de Emanuel David D’Lúcard,
Samuel Bennaton, Will Cruz, Eddie Monteiro, Breno Fittipaldi, Neemias Dinarte, Beto
Nery, Robson Queiróz, Bruno Britto e José Manoel Sobrinho. Organização de José
Manoel Sobrinho.